O Vagalume - Autor: Coelho Neto

"Foi no princípio, tudo era sombra e silêncio, e Deus, na altura, lapidava os astros, que são os diamantes do céu; lapidava-os e a poeira luminosa que deles se esparzia ficava espalhada, formando a Via Láctea e as outras nebulosas.

Logo que um astro fulgurava, Deus, deixando-o engastado, tomava um pouco de treva e punha-se a bruni-la, e assim conseguiu fazer todas as estrelas que brilham, o sol que é um topázio enorme e a lua que é uma opala triste.

Lapidando os astros não podia o Senhor pensar que parte da poeira micante viesse à Terra; mas tendo de criar os animais e o homem, desceu ao mundo deserto, e caminhando devagar, pela sombra, viu, de repente, fulgir entre as árvores virgens uma chama fugaz. Deteve o andar, e pensativo, ficou acompanhando a viagem aérea e volteante da fagulha de origem desconhecida.

Vendo-a ir e vir e vendo que outras surgiam, o bom Deus, não querendo que o demônio astuto pusesse malefício em sua obra e julgando as chamas erradias criações do Mau Anjo, - porque não se lembrava de as haver criado – tomou, no espaço, uma das que passavam, e, com seu alto poder, fez com que a centelha falasse, e, entre seus dedos, a centelha falou: — Senhor, deixai-me livre. Não me julgueis provinda de origem má. Chama, não fui gerada nos braseiros infernais, venho das claras estrelas que fulguram no céu. Quando das lapidáveis delas saía uma luminosa poeira que se espalhou nos espaços formando estradas largas; sucedeu, porém, que alguns grãos pequeninos dessa poeira rutilante vieram cair à Terra, e, porque nelas havia tocado vossa mão, logo se animaram, e à noite, à hora em que as estrelas brilham no céu, a poeira das estrelas vive e brilha na terra! Bem vedes que de Vós venho. Deixai-me ir, Senhor! Deixai-me ir por entre as árvores que cheiram e por cima das águas brancas que murmuram.

E o Senhor, enternecido, abriu os dedos deixando partir o vagalume. E aí tendes porque não é fixa, como a das estrelas, a luz do vagalume – é que ela esteve, algum tempo, abafada entre os dedos, e até hoje o inseto guarda essa instantânea impressão."

Visite !