Era uma vez, no tempo em que os bichos falavam...
A onça resolveu fazer uma casa para morar. Procurou um lugar perto do rio, escolheu o local e fez a limpeza do terreno. Depois disso, foi para a mata descansar. O bode também resolveu fazer uma casa. Saiu procurando e foi encontrar o mesmo lugar que a onça havia escolhido. Viu o terreno limpinho e disse: "Que bom lugar! Vou fazer minha casa aqui". Cortou madeira na mata, preparou as forquilhas e foi embora descansar no Sítio. No dia seguinte, a onça chegou bem cedo, encontrou a madeira cortada, as forquilhas prontas e foi logo dizendo: "Tupã está me ajudando; vou fazer a casa com dois cômodos, um para mim e outro para Tupã". Fincou os esteios, botou as travessas e a cumeeira e foi-se. Depois veio o bode, à tarde, encontrou a casa armada e ficou muito admirado. Disse: "Tupã está me ajudando". Botou o enchimento das paredes, barreou e fez o telhado. Depois foi embora. No outro dia, mais admirada ficou a onça, vendo a casa quase pronta. Botou as janelas e as portas nos dois cômodos e saiu para banhar-se no rio, pois pretendia mudar-se à noite. À tarde, chegou o bode e, muito feliz com a casa pronta, pensou: "Tupã muito me ajudou; vou preparar dois jiraus, um para mim e outro para Tupã". Terminado o serviço, atirou-se em um jirau e pegou no sono. Já era noite quando a onça chegou e mal avistou o jirau pronto, atirou-se nele e pegou no sono.
O sol já estava alto, no outro dia, quando os dois acordaram e se encontraram. "Esta casa é minha", disse a onça, "pois fui eu que limpei o terreno, finquei os esteios, botei as travessas e a cumeeira e instalei as portas e as janelas". "Nada disto", respondeu o bode, "fui eu que cortei a madeira, preparei as forquilhas, fiz as paredes e botei o sapé". "Façamos um acordo", disse a onça, "vamos morar juntos; um dia um caça e outro prepara a comida; no dia seguinte, dá-se o inverso". "Pois bem", falou o bode, "cada um ocupa um cômodo, porque assim um não incomoda o outro à noite, mesmo porque eu sou muito nervoso e quando fico bravo, começo a espirrar e a dar cabeçadas que ninguém me aguenta". "Está certo", respondeu a onça, "Acho ótima idéia, porque à noite eu sempre sinto muita fome e começo a miar e a urrar que ninguém me segura".
E assim foi. Os dois se respeitavam, cada um morrendo de medo do outro. O primeiro a caçar foi a onça; saiu para as redondezas e logo depois chegou com um bode morto nas costas; jogou-o no chão e disse: "Muita fartura companheiro, esfole e prepare para nós". O bode preparou a comida enquanto pensava: "O que será de mim?". Na jornada seguinte, foi a vez do bode: "Vou sair bem cedo comadre, vou buscar caça boa". E largou-se. Chegando longe, viu uma onça grande e gorda e armou uma estrategia. Disfarçou, entrou no mato e pôs-se a tirar cipós. Vendo aquilo a onça perguntou: "Amigo bode, para que tanto cipó?" - "Para quê? O negócio é sério... o mundo está para se acabar, e é com dilúvio..." - "O que está dizendo é verdade?" -"É verdade, e se você quizer escapar trate de se amarrar que eu já me vou...". A onça então escolheu uma árvore bem forte e pediu ao bode que a amarrasse. O bode amarrou-a bem com os cipós e depois tratou de matá-la com cabeçadas. Arrastou-a até a casa, largou-a no chão e disse para a outra: "Esfole, que é gorda e ficará saborosa". A onça ficou muito espantada.
Nesta noite, ninguém conseguia dormir, os dois se remexiam cada um no seu jirau, com medo um do outro. Em certo momento o bode bateu a perna na madeira do jirau fazendo um barulho. A onça tomou grande susto, soltou um urro que fez estremecer o bode, o qual por sua vez soltou um espirro tão grande de ensurdecer. Os dois bichos desembalaram na carreira pela noite a dentro; já era madrugada e ainda corriam; continuavam correndo ao nascer do dia, passavam pelos bosques, pelas matas, passaram pelo Sítio e continuam correndo até hoje.
E aqui terminou a história. Entrou pela casa do pinto, saiu pela casa do pato. O rei mandou dizer que se você quizer outra, tem que me contar quatro.